O que ficar atento na hora de receber o imóvel



Para quem compra imóvel na planta, o melhor dia deveria ser aquele em que o bem sai do papel e as chaves são entregues. Porém, nem sempre a lógica é essa. Ao abrir a porta do imóvel, muitos consumidores trocam a alegria pela insatisfação. Foi o que ocorreu com a bancária Carolina Pereira Rodrigues, 30 anos.
Ela juntou durante dez anos dinheiro para comprar o primeiro imóvel. Em 2010, comprou um empreendimento de um quarto em Águas Claras. Em dezembro do ano passado, recebeu as chaves do apartamento e se frustrou ao receber o tão esperado primeiro imóvel.

Segundo Carolina, a primeira frustação foi logo na entrada, quando encontrou algumas cerâmicas da sala rachadas e a construtora recusou-se a trocar, alegando que prazo para reclamação tinha expirado. Depois, foi descobrindo aos poucos pequenos erros no projeto e diferenças entre o que foi contratado e o que foi executado. Um dos exemplos é o gás canalizado. Embora estivesse previsto no projeto, o prédio não tinha o serviço. “E quando o Corpo de Bombeiros veio ao edifício, informou que as unidades não poderiam ter botijão de gás. Dessa forma, fogão, só elétrico. E só pode ter duas bocas porque quatro a amperagem do apartamento não aguenta e a energia vai cair”, afirma.

                     

O maior susto de Carolina ocorreu quando ela soube, via carnê do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), que o prédio chamado You Life Style tinha destinação comercial. “A proposta de compra e venda não dizia nada disso. Foi me vendido um apartamento residencial”, afirmou. Carolina reclama também da dificuldade de contactar a EBM, construtora responsável pelo empreendimento. “Primeiro eles só tinham um número em Goiânia, depois, arrumaram um atendimento em Brasília. Mas tudo tinha que passar por Goiânia, até enviei documentação via Sedex. Tudo foi muito complicado”, comenta. “Eu queria sair da casa dos pais aos 30 anos. Tinha até contratado uma arquiteta para decorar o apartamento, mas fiquei desiludida e devo alugar, vender ou devolver o imóvel para a construtora”, complementa.

As reclamações contra construtoras aumentaram 56,7% de 2012 para 2013 no Procon do Distrito Federal (veja arte). E a tendência é de consumidor insatisfeito. Somente nos quatro primeiros meses deste ano, as queixas já somam 45% de todas as reclamações do ano passado – 666. Entre as principais queixas está justamente o não cumprimento do contrato. Clientes reclamando que a construção não foi entregue no prazo previsto ou que não foi executada de acordo com o projeto. “A compra de um imóvel é um investimento complexo, muito alto e que vai durar muito tempo. Por isso, se dá errado, a proporção é mais grave”, analisa Renata Reis, supervisora da área de assuntos financeiros e de habitação do Procon do Distrito Federal.

Para Ildecer Amorim, especialista em direito do consumidor, um dos principais motivos de conflitos entre construtoras e clientes ocorre justamente porque falta informação. Os contratos não são claros, os corretores nem sempre informam o cliente da forma correta e as construtoras têm dificuldades no pós venda e no serviço de atendimento do cliente. “O ideal é o consumidor guardar todas as provas materiais: contrato, folders, panfletos, proposta de compras e vendas. Isso vai dar segurança em caso de um problema futuro”, explica. É recomendável também que o consumidor pesquise a idoneidade da empresa e as reclamações feitas contra ela nos órgãos de defesa do consumidor e na internet.

Como os contratos são firmados anos antes da entrega da construção, a orientação de especialistas é que os consumidores prestem atenção especial no memorial descritivo da obra, ele será o checklist que deve ser cumprido pela construtora. “Mesmo antes de fechar o negócio, o consumidor pode pedir o memorial descritivo para ver se o material agrada, se é realmente aquele imóvel que ele quer e ficar com menos dúvidas possíveis”, alerta Renata Reis, do Procon de SP.

A hora de receber o imóvel também deve ser cercada de cuidados. O primeiro alerta é com a vistoria. As empresas são obrigadas a fazer uma vistoria antes de entregar as chaves para o proprietário. A vistoria da unidade é feita pelo comprador acompanhado do representante da construtora e é o momento para apontar os problemas da construção, por isso requer muita atenção. Todos os equipamentos elétricos e hidráulicos devem ser testados para evitar que construtora alegue que eventuais problemas surgiram após a utilização. Ainda que seja possível receber a unidade ressalvando que o problema será corrigido posteriormente, o ideal é postergar a entrega das chaves para a conclusão dos reparos.

A orientação dos especialistas é que levem o memorial descritivo e façam o checklist. “Ele será o guia para o consumidor observar se recebeu tudo conforme o previsto. É importante também que o consumidor leve um profissional ou outra pessoa para ajudar na observação”, defende Sônia Amaro, advogada da Proteste Associação de Consumidores. A área comum normalmente é vistoriada por uma comissão de condôminos e o síndico recém eleitos na assembleia de constituição.

Procurada pelo Correio, a EBM, por meio da SPE Brasil Incorporação, grupo de construtoras responsáveis pelo empreendimento da consumidora Carolina Pereira informou que o edifício You possui destinação de uso comercial/residencial com serviços de flat e que, portanto, o gás canalizado seria apenas para pontos previstos no Manual do Proprietário. Além disso, informou que a cliente solicitou o reparo da cerâmica quebrada depois da vistora. “A incorporada posicionou que o reparo era improcedente, por ser um defeito aparente que não foi constatado no ato da vistoria”, afirmou a nota.

Prazos confusos

Após o término da obra começam a correr uma série de prazos para a vistoria, adequação e garantias, o que pode gerar uma confusão entre a construtora e o cliente. Algumas empresas estipulam prazos específicos. Mas, segundo especialistas, o consumidor deve ficar atento às datas propostas pela companhia porque o prazo não pode ser inferior ao previsto em lei. É o caso, por exemplo, do tempo que a construtora tem para consertar um defeito encontrado pelo proprietário, tanto na vistoria quanto depois. A empresa deve resolver o problema em 30 dias. 

Depois que a construtora corrige os defeitos aparentes encontrados na vistoria, podem surgir os chamados os vícios ocultos, aqueles que não dá para ver em um primeiro momento. Após constatado esse problema, o consumidor tem até 90 dias para reclamar para a empresa. Em relação à garantia da obra, o consumidor tem até cinco anos para questionar problemas na estrutura do imóvel, como a solidez de um prédio ou problema em uma viga de sustentação. “Existe um entendimento do Superior Tribunal de Justiça que estende a responsabilidade da construtora de cinco para 20 anos se o edifício foi construído antes de 2003 e de 10 anos, para prédios construídos depois de 2003”, esclarece Ildecer Amorim, especialista em direito do consumidor.

O que diz a lei:

    A súmula 194 do Superior Tribunal de Justiça entendeu que em caso de problemas estruturais na edificação, a garantia deve ser estendida para dez anos, em caso de construções feitas depois de 2003 e 20 anos, para imóveis construídos antes de 2003. Embora seja um entendimento da instância superior, Renata Reis, supervisora da área de assuntos financeiros e habitação do Procon de São Paulo, lembra que para conseguí-lo o consumidor deverá recorrer à Justiça.

TIRA DÚVIDAS: Como receber o meu imóvel

1. Posso receber o imóvel sem a vistoria?

A recomendação é que não. Exija sempre a vistoria. Se a construtora demorar para marcar a visita e você estiver com pressa em receber as chaves, aceite as chaves, mas observe, por escrito, que não teve vistoria. Neste mesmo documento, estipule a data para a construtora visitar o imóvel sob penalidade de você fazer uma vistoria unilateral.

2. A construtora chama para vistoria, mas eu encontro problemas imóvel. O que devo fazer?

Comunique à empresa dos problemas encontrados e pedir a reparação. O prazo para a construtora corrigir os erros é de 30 dias contados a partir da apuração do problema.

3. O que devo olhar na vistoria?

Procure conferir o que foi entregue com que o estava previsto no memorial descritivo. Observe itens como os materiais usados, acabamento, o pé direito e a metragem. Se possível, peça ajuda de um profissional. Procure vistoriar também as áreas comuns do prédio.

4. Meu imóvel estava diferente do memorial descritivo. O que eu faço?

Peça para a construtora adequar de acordo com o previsto. Caso não dê, solicite uma compensação pelo o que não foi oferecido conforme o ofertado. Se o imóvel estiver em total desacordo e o cliente se sentir prejudicado, pode pleitear a rescisão do contrato e devolução do que foi pago, acrescido de correção monetária e juros.

5. Quais os prazos que eu tenho para reclamar?

Para os vícios aparentes, como rachaduras na parede ou um piso quebrado, o consumidor tem até 90 dias. Para vícios ocultos, o prazo de garantia da obra é de 5 anos. Porém, há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que entende que problemas com a estrutura do imóvel pode ser reclamado pelo consumidor em até 20 anos.

>> Reclamações contra construtoras no DF:

2014: 666*
2013: 1506
2012: 961
2011: 690

>> Principais queixas:

1º Não cumprimento do contrato ou proposta
2º Cobrança de taxa indevida
3º Dúvidas sobre cobranças, como taxas
4º Devolução de sinal, valores pagos (negócio não concretizado)
5º Não entrega do contrato

 


** Fonte: Procon do Distrito Federal
 

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